Joaquin Barbosa: A Volta do Jedai



Vitor Hugo Soares
De Salvador (BA)

O bom de acompanhar o espetáculo, em Brasília, instalado diante de um aparelho de televisão na Cidade da Bahia, é a visão de perspectiva diante dos fatos que rolam à sua frente. Por exemplo, depois de fechado para balanço por uns dias, em seguida a um dos episódios mais deprimentes de sua história, o Supremo Tribunal Federal retornou às suas funções na quarta-feira (29), com transmissão pela TV. E o que vemos: o ministro Gilmar Mendes, presidente da casa, sentado em seu trono de comando com mal disfarçado ar de imperador enfadado, é louvado pelo colega Celso de Mello.

Voz embargada em vários momentos, o ministro Celso, decano do STF, enumera feitos, todos grandiosos, para distinguir o primeiro ano do presidente Gilmar Mendes à frente da suprema corte de justiça do País, completado exatamente no dia seguinte ao bafafá que ele protagonizou com o colega de tribunal, Joaquim Barbosa, ausente da estranha sessão de rasga seda, na qual o encarregado da saudação molda com cinzel de fios de ouro o perfil de Mendes.

"Magistrado responsável e fiel ao interesse público e à causa da justiça, e que será capaz, por isso mesmo, de superar - como já o vem fazendo - os graves desafios e problemas que tanto afligem o Poder Judiciário em nosso País", diz o jurista ao arrematar a homenagem, no discurso emocionado que escuto em Salvador.

Vazia vê-se a cadeira de Barbosa. Sua ausência, segundo se espalhava nos corredores da boataria do STF, de Brasília e do resto do país, se devia a problemas de saúde do ministro, agravados pelo bafafá da semana passada. Segundo se dizia, com ares solenes de falsa gravidade, ele só poderia retornar ao STF na próxima semana, pois teria que passar antes por exames detalhados de coluna em uma clínica paulista. Mais arrevesado que isso, só as notícias procedentes do México sobre a real extensão da gripe suína, que ameaça virar pandemia.

Os demais membros da corte dão sinais de aprovação ao que acabam de ouvir na louvação ao ministro Gilmar, com maior ou menor convicção - à exceção do ex-presidente Marco Aurélio Mello, cujo ar parece mais de troça com o orador que de apoio ao colega presidente. A memória voa de repente da Bahia para Portugal e é como se estivesse então diante do poeta Fernando Pessoa, encarnado em Álvaro de Campos, com um copo de vinho na mão, a declamar o "Poema Em Linha Reta", em uma daquelas mesas postas no largo em frente ao "A Brasileira", no bairro boêmio do Chiado.

"Quem me dera ouvir de alguém a voz humana/Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; / que contasse não uma violência, mas uma covardia! Não, são todos o ideal, se os ouço e me falam./ Quem há neste mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos... Arre, estou farto de semi-deuses! Onde é que há gente no mundo?... Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?". Magnífico Pessoa!

No dia seguinte, quinta-feira (30), o Pleno do Supremo está reunido outra vez, agora para decidir sobre um tema de transcendente importância jurídica e política: a derrubada da famigerada Lei de Imprensa, editada pela ditadura imposta ao País em 64. Desta vez, lá está, sentado em sua cadeira, toga sobre os ombros, o ministro Joaquim Barbosa, firme na defesa de seu voto independente, como tem sido em geral em suas falas e decisões no STF. Não pede desculpa ou mostra arrependimento (prévia ou posteriormente) por nada do que disse no bate-boca com Gilmar Mendes, uma semana antes, diante de uma nação pasma.

"Brilhante e consistente ministro Joaquim!", assinala Ellen Gracie, ex-presidente da corte, na justificativa de seu voto, a seguir, por sinal, coincidente com o do colega a quem se dirige com inequívoca simpatia e admiração intelectual. Sério e impávido segue o ministro Joaquim, mas dá para ver em perspectiva pela tela da TV, que o ministro Barbosa, em sua volta, tenta segurar o riso de satisfação apertando o canto dos lábios.

Tudo às claras, como parece ser do gosto de Joaquim Barbosa, que, por sinal, aparentava perfeitas condições físicas e psicológicas em seu retorno na plenária histórica desta quinta-feira do Supremo, que derrubou a Lei de Imprensa. Para surpresa e evidente desagrado de boateiros de plantão que espalhavam lorotas, o ministro participou ativamente durante mais de cinco horas de duração, do julgamento do processo de iniciativa do PDT, relatado pelo ministro Carlos Ayres Brito, com pedido de anulação completa da Lei de Imprensa. Votado favoravelmente pela corte, em data para ser lembrada sempre, por muitos motivos, quase todos nobres.

Retorno honroso do ministro Joaquim à sua cadeira, em dia honroso do Supremo. Agora é esperar os dias que virão.


Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site-blog Bahia em Pauta (http://bahiaempauta.com.br/).

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