Catástrofes Climáticas

reportagem veiculada no Jornal Zero Hora-Porto Alegre
10.04.2010

Repetição de catástrofes climáticas em 2010 intriga cientistas

Saiba até que ponto há uma relação entre os desastres naturais que varrem o planeta na forma de terremotos violentos e chuvas destruidoras

Mauro Toralles | mauro.toralles@zerohora.com.brOs números são avassaladores. Por qualquer ângulo que a questão seja abordada, por número de vítimas, hectares destruídos ou dinheiro empregado em reconstrução, o fato é que as tragédias provocadas por cataclismas da natureza ganham espaços no imaginário das pessoas e provocam uma pergunta desafiadora: afinal, o que está havendo com nosso planeta nestes primeiros cem dias 2010?

As respostas científicas para essas indagações serão variadas. Mas um ponto comum persiste na cabeça de todos os que têm sido testemunhas desses fenômenos tão destruidores: a constatação de que são reais, pegam de surpresa a todos e não há uma solução rápida para enfrentá-los.

A esse primeiro diagnóstico pode-se juntar um elemento que há anos não aparecia com tanta frequência, mas que agora enche a população de medo. A palavra morte aparece como a senha fatal de ciclones, enxurradas e terremotos. Mal cruzada a linha do tempo que deu início a 2010, uma chuvarada impiedosa espalhou o terror no Estado fluminense. Encostas de morro de Angra dos Reis desabaram, a cidade do Rio e outras da Baixada Fluminense sucumbiram às águas e a contabilidade final apontou para mais de 70 mortos. A mais de 1,6 mil quilômetros de distância, mas no mesmo começo de janeiro, o Rio Grande do Sul viveu seu drama. A ponte de Agudo foi abaixo. A destruição, porém, não foi um privilégio brasileiro. Logo em seguida o Haiti e depois o Chile choraram suas próprias vítimas às centenas. Turquia, Indonésia e outros países entraram no roteiro macabro que fez uma guinada para atirar suas sombras outra vez no Brasil, pegando São Paulo e Rio, especialmente, como cenários de dor e desalento.

São muitas mortes a chorar em pouco mais de três meses. O chefe da comunicação social da Defesa Civil do Estado, capitão Alexsandro Nascimento Goi, conta uma passagem curiosa que se deu em fevereiro, bem no centro dos tumultos. Ele recebeu telefonema de uma professora de Capão da Canoa aflita com o conselho que recebera para dispensar os alunos porque o tempo estava ameaçador. Queria confirmação, e foi informada que haveria problemas com chuva forte mas que não era caso para tanto. Pelo menos naquela vez. Mas por que a professora correu atrás de orientação junto à Defesa Civil? Os desastres em sequência acionaram os alerta.

Os estudos, todas as medições possíveis em mapas, registros históricos e cálculos feitos não levam a uma conclusão definitiva. O ano que começou trepidante pode mudar de rumo. Muitos atribuem os fenômenos mais recentes a uma mudança climática induzida pelo aquecimento global. Algumas observações indicam aumento na temperatura das águas dos oceanos. No nosso caso, isso eleva a quantidade de umidade sobre a Amazônia, alimentando os temporais dos últimos dias no Sudeste. Mas não há consenso. Há quem contra-argumente lembrando que tivemos agora, por exemplo, o inverno mais rigoroso da Europa em muitos anos. Ou seja, não tem subido a temperatura média. E mesmo os que admitem o efeito estufa tendem a concordar que não há uma comprovação científica de que os desastres naturais têm ocorrido com mais frequência em razão deste aquecimento.

O preparo para agir nas crises
Aqui, é importante ressaltar uma diferença fundamental entre essas manifestações da natureza. Terremotos são fenômenos geofísicos que não sofrem influência do clima. São ocorrências extremas que fazem parte da variabilidade natural do planeta. A única ligação, portanto, do que se deu no Haiti e no Chile, principalmente, com os outros flagelos desses primeiros meses é a coincidência de acontecerem no mesmo período de tempo. Não estamos cercados por alguma conspiração organizada dos céus e mares. O que se vê agora já foi vivenciado antes. O chefe do centro de pesquisas meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Gilberto Diniz, vale-se da história para argumentar:

– Não há nada que já não tenha acontecido. Fala-se que essa foi a maior das chuvarada do Rio na história exatamente porque eles já enfrentaram problemas semelhantes há mais tempo. E Porto Alegre, vítima da enchente histórica de 1941, que deixou o Centro debaixo d’água? Esses acontecimentos são cíclicos, Temos lidado com o fenômeno El Niño (chuvas acima da média) e com La Niña (chuvas abaixo da média). Não é uma novidade – conclui.

Misturadas as teses e comparados os dados disponíveis, há uma pergunta que se sobressai: diante desse quadro estamos preparados para lidar com os fenômenos naturais em suas manifestações mais impiedosas? Do ponto de vista tecnológico, a situação é mais favorável. O Brasil tem 400 estações meteorológicas automáticas, fazendo medições permanentes, o Rio Grande do Sul conta com mais de 40 delas. Pode não ser o melhor, mas considera-se suficiente. De um modo geral, é possível prever e prevenir. A infraestrutura tem avançado.

A Defesa Civil do Estado apresenta alguns dados alentadores. Um recente convênio com a UFRGS criou um centro de estudos sobre desastres, o efetivo do órgão de proteção e salvamento foi incrementado em 30% no último ano, os escritórios regionais saltaram de cinco para 10, e no ano passado foram formados 629 novos técnicos. São alguns indicativos de um processo permanente de aprimoramento, que tem se acelerado nos últimos tempos.

O homem também tem a sua culpa

Se a tecnologia dá passos importantes, as políticas públicas estão apenas engatinhando nesse terreno. Os homens que lidam com o clima, os professores e os cientistas que estudam os fenômenos da natureza podem até discordar a respeito deste ou daquele fenômeno, mas são unânimes em apontar o quadro de desordenamento urbano como o problema mais urgente a ser atacado para combater o que já se tornou um jargão: as tragédias anunciadas.

Os fenômenos naturais sempre ocorreram, mas hoje o impacto se multiplica por muitas vezes porque a população das cidades é maior, o lixo cresce com a falta de educação, o asfalto que impede a boa drenagem se espalha sem limites, e as ocupações irregulares se agigantam assustadoramente. Agora mesmo, em Niterói, não se pode dizer que houve surpresa. A prefeitura tinha pelo menos dois estudos que apontavam o Morro do Bumba, onde se deu o grave deslizamento da noite da quarta-feira, como uma região de “extremo risco”. Os mesmos estudos mapeavam as zonas mais perigosas da cidade. No entanto, nenhuma providência foi adotada. Se as verbas de socorro esbarram em uma burocracia infernal, as de prevenção sequer saem das gavetas ou ao menos são colocadas nelas.

Por isso, estamos condenados a ouvir outros gritos como o do pequeno Marcus Vinicius, oito anos, no mesmo Morro do Bumba, que pedia desesperado:

– Me tirem daqui, me tirem daqui.

Tiraram apenas o cadáver da criança. Diante de quadros como este é que as pessoas se assustam com o começo de 2010, um ano marcado por sinistros nos primeiros meses a revelar o despreparo para lidar com os cataclismas da natureza que, segundo seus estudiosos, não fazem mais do que repetir ciclos e apresentam realidades mais cruéis de acordo com a maneira como ela tem sido tratada pelo homem.

Está chovendo mais?

Quando se consideram períodos específicos em regiões determinadas, se verifica esse aumento na precipitação, mas é precipitado falar que há um aumento da média histórica em todo o país.

Na capital do Rio de Janeiro, por exemplo, o volume acumulado nos primeiros nove dias de abril representa quase 167% da média esperada para o período, só que o total entre janeiro e abril ainda está 20% abaixo da média histórica.

O peso do aquecimento global?

Os especialistas divergem quanto às causas e aos impactos do aquecimento global. Segundo o pesquisador Carlos Tucci, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a capacidade de análise é limitada.

– Existe uma incerteza grande. Mas o clima também sempre variou. Quatro mil anos antes de Cristo, por exemplo, o Saara era verde – diz Tucci.

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